A Polícia Federal suspeita que o prefeito de Palmas José Eduardo de Siqueira Campos – preso e afastado do cargo na sexta, 27, em meio à fase 10 da Operação Sisamnes – teve acesso a informações privilegiadas e altamente sensíveis inclusive dentro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Diálogos recuperados pelos investigadores no próprio celular de Siqueira, confiscado em maio passado na etapa 9 da Sisamnes, indicam que um informante seu obteve dados estratégicos que deveriam estar em severo sigilo na Corte.
‘Assinou agora pela manhã o Min…’, escreveu o advogado Antonio Ianowich Filho a Siqueira Campos em 21 de novembro do ano passado.
‘Min’ é uma referência a ministro. Ianowich é aliado do prefeito. Ele também foi preso na fase 10 da Sisamnes, na sexta, 27, ao lado de outro suposto integrante da rede de vazamentos, o policial civil Marco Augusto Velasco Nascimento Albernaz.
Os diálogos resgatados pelos policiais mostram que Siqueira Campos é reverenciado por seus informantes como o ‘chefe’.

A prisão de Siqueira Campos tem caráter preventivo, ou seja, não há previsão para seu retorno à liberdade. Por meio da assessoria, Siqueira diz que recebeu ‘com serenidade’ a decisão do Supremo Tribunal Federal (leia abaixo a íntegra da nota da Prefeitura de Palmas). Ele está preso na Sala de Estado Maior do Comando-Geral da Polícia Militar do Tocantins.
Segundo o ministro Zanin, a informação que faz referência a ‘Min’, enviada por WhatsApp para o celular de Siqueira Campos fora repassada ao advogado Ianowich por um ‘terceiro’. Os investigadores suspeitam que o ‘terceiro’ pode ser alguém de dentro do STJ aliciado pelo grupo do prefeito de Palmas.
A Sisamnes – juiz corrupto, segundo a mitologia persa – foi aberta para conter venda de sentenças em tribunais estaduais (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins) e espreita assessores de ministros do STJ.
Os investigadores suspeitam que advogados e lobistas possam ter estendido seus tentáculos também para corromper servidores do Tribunal de Justiça de Goiás.
No curso do inquérito da Sisamnes, a PF acabou batendo de frente com Siqueira Campos, o ‘chefe’.
Dois dias antes de receber aquela informação ‘assinou agora pela manhã o Min…’, o prefeito de Palmas havia mandado uma frase enigmática a um interlocutor, em 19 de novembro: ‘Chuva manhã ou depois’.
Para a PF, era um alerta de Siqueira ‘revelando investigações no Tribunal de Justiça de Goiás’, inclusive com compartilhamento de dados provenientes de Estações Rádio-Base (ERBs) – a ERB faz a ponte entre celulares e a rede operadora e indica a localização do alvo.

As investigações e processos contra desembargadores de tribunais dos Estados suspeitos de corrupção e desvios são conduzidas pelo STJ.
Ao mandar prender Siqueira Campos, o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, que conduz a Operação Sisamnes, sublinhou o detalhe da atuação de um ‘terceiro’ que estaria abastecendo o esquema de ‘vazamento sistêmico’ de informações envolvendo o prefeito e aliados.
“Mas não é só: há registro de troca de informações sigilosas entre o policial civil Marco Augusto Velasco Nascimento Albernaz e José Eduardo de Siqueira Campos, revelando investigações no Tribunal de Justiça de Goiás.”
A PF está convencida que Siqueira exercia ‘atuação central’ no esquema. Daí a alcunha ‘chefe’.
Em decisão de 26 páginas, o ministro decretou o afastamento de Siqueira Campos do cargo, acolhendo pedido da PF e manifestação da Procuradoria-Geral da República, segundo a qual a medida que alija o prefeito das funções ‘é fundada no risco da utilização de sua atuação funcional para continuidade ou ocultação das condutas ilícitas’.
Siqueira Campos também acessou dados estratégicos referentes à Operação Fames-19, investigação sobre supostos desvios de dinheiro de merenda durante a pandemia da Covid no governo do Tocantins, gestão Wanderlei Barbosa – ele nega atos ilícitos.

No dia 8 de novembro, o advogado Ianowich compartilhou com Siqueira Campos um parecer da Procuradoria-Geral da República encartado nos autos da Operação Fames-19. “STJ andou tudo”, avisou Ianowich em alusão à investigação que cerca o governador. Barbosa já havia sido alvo de buscas da PF em agosto.
Para a PF, o prefeito tinha a ambição de ‘aumentar seu capital político’ angariando informações sigilosas acerca de investigações da alçada do STJ relativas à conduta de magistrados e da cúpula do Executivo do Tocantins, do qual seu pai, José Wilson Siqueira Campos, foi o primeiro governador, em 1989.
As suspeitas de que o prefeito – agora preso e afastado do cargo – bisbilhotava gabinetes de ministros de tribunais superiores para exercer sua influência no Judiciário e no governo do Tocantins ganharam força a partir dos diálogos de 19 e 21 de novembro do ano passado, agora acessados pelos investigadores em seu próprio celular.
Os investigadores trabalham com a hipótese de que também no STJ, via informantes, o ‘chefe’ reuniu informações privilegiadas sobre a Operação Maximus, que investiga desembargadores do Tocantins e faz parte do combo Sisamnes.
Na mesma oportunidade em que escreveu ‘Chuva manhã ou depois’, o prefeito reencaminhou outras mensagens de Ianowich. A sequência do diálogo revela que Siqueira Campos pergunta ao policial Albernaz sobre ‘pareceres’ da Procuradoria-Geral da República.
A PF crava que Siqueira Campos exercia ‘atuação central’ em um conluio para vazamento de dados em ‘concertação delitiva relacionada ao acesso privilegiado e vazamento de informações judiciais sigilosas’.
Para o ministro Zanin a conduta do prefeito caracteriza ‘embaraçamento de investigação policial envolvendo organização criminosa’.
COM A PALAVRA, SIQUEIRA CAMPOS
Na sexta-feira, 27, quando a Polícia Federal deflagrou a fase 10 da Operação Sisamnes e prendeu José Eduardo de Siqueira Campos, a Prefeitura de Palmas divulgou nota oficial.
“A Prefeitura de Palmas informa que foi dado cumprimento a decisão judicial em relação ao prefeito Eduardo Siqueira Campos.
Cabe informar à população que as investigações não se relacionam com a atual gestão municipal. A decisão visa a averiguação de informações e tudo será esclarecido.
O prefeito recebeu a decisão com serenidade e irá colaborar prontamente com os trabalhos. Cabe destacar a abordagem respeitosa dos agentes da Polícia Federal.
Neste momento é importante prestar todos os esclarecimentos e manter preservada a população de Palmas e a gestão municipal.”
COM A PALAVRA, O GOVERNADOR WANDERLEI BARBOSA
Quando foi alvo de buscas em agosto do ano passado, o governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa disse, em nota, que, à época dos fatos sob investigação, era vice-governador e ‘não era ordenador de nenhuma despesa relacionada ao programa de cestas básicas no período da pandemia’.
“Como todos já sabem, a única alusão ao meu nome em toda essa investigação foi a participação num grupo de consórcio informal de R$ 5 mil com outras 11 pessoas, no qual uma delas era investigada”, afirmou.