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Fantasia com sotaque brasileiro: Felipe Tazzo fala sobre Tolkien, Lobato e a força do folclore nacional

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Em entrevista ao jornalista Vinicius Mororó, o escritor Felipe Tazzo discute o lugar do Brasil na literatura fantástica, o impacto de Tolkien e Monteiro Lobato e os caminhos para uma nova mitologia nacional.

✍ Por Vinicius Mororó – Jornalista Atípico

Na semana em que apresenta a palestra “Elementos da Brasilidade na Literatura de Fantasia” no SESI Cotia, o escritor Felipe Tazzo conversou com nosso jornal sobre o papel do folclore brasileiro na construção de universos fantásticos, o legado de Tolkien e Monteiro Lobato e as possibilidades que se abrem para os novos autores que desejam criar literatura fantástica com identidade nacional.

Felipe Tazzo é um defensor da ideia de que a fantasia brasileira precisa olhar para dentro de si para suas raízes indígenas, africanas, caipiras e periféricas se quiser construir mitologias tão densas e universais quanto as europeias. Com linguagem direta e bem-humorada, ele propõe um novo caminho para a ficção especulativa brasileira, que não seja nem cópia da fantasia de elfos e dragões, nem caricatura de seu próprio folclore.

Confira os melhores trechos da conversa:

Vinicius Mororó: Como nasceu a ideia de explorar o contraste entre Tolkien e Monteiro Lobato na construção de universos fantásticos?

Felipe Tazzo: É só manter os olhos abertos. Quem tem alguns fios brancos já cresceu com o Sítio do Picapau Amarelo. E eu tenho um bom punhado deles. Também li O Senhor dos Anéis na adolescência (confesso: achei chatoooo!), mas continuo fascinado por fantasia. Amo magia, RPG, quadrinhos… E foi aí que percebi: por que tudo tem elfo, dragão e anão?

Pesquisando, descobri que o Tolkien tirou isso tudo do folclore europeu o que é incrível! Mas e os outros folclores? Os orientais, indígenas, africanos? E o nosso? Foi aí que caiu a ficha: Monteiro Lobato fez algo muito parecido, e mais ou menos na mesma época! Ele pegou personagens do folclore brasileiro e construiu um universo também. A diferença é que um virou base da fantasia adulta, e o outro foi colocado na estante infantil.

Vinicius Mororó: Por que você acredita que o folclore brasileiro foi infantilizado na literatura, enquanto o europeu virou base da fantasia adulta?

Felipe Tazzo: O Tolkien era um chato no melhor sentido. Detalhista, meticuloso, metódico. Como linguista, criou todo um universo coerente e complexo, com direito a árvore genealógica de hobbit. Isso atraiu leitores adultos, porque era uma fantasia com cara de documento histórico.

Lobato, por outro lado, foi visionário ao apostar na literatura infantil, um gênero quase inexistente no Brasil da época. Ele queria educar, formar identidade nacional pelas crianças. Mas essa escolha fez com que nossos personagens folclóricos ficassem presos ao universo da infância. A Cuca virou vilã de desenho animado; o Saci, um bonequinho fofo. Já os elfos e magos do Tolkien ganharam filmes com trilha épica. Foi uma questão de tom e de contexto.

Vinicius Mororó: Qual é o papel da literatura de fantasia na formação da identidade cultural de um país?

Felipe Tazzo: Toda obra de arte permite que a gente experimente absurdos sem pagar emocionalmente por eles. A fantasia faz isso com ainda mais potência. Você pode viver batalhas, usar espadas mágicas, enfrentar monstros… tudo isso num ambiente seguro. Mas o que isso ensina? Ensina a planejar nossa vida, nos ajuda a pensar: “e se eu tivesse esse poder?”.

Quando usamos elementos da nossa própria cultura nessas narrativas como o sertão, o candomblé, as lendas indígenas passamos a nos ver como protagonistas do imaginário fantástico. Isso fortalece a autoestima e a identidade coletiva. É mais do que contar histórias legais. É imaginar futuros possíveis para nós mesmos.

Vinicius Mororó: Você enxerga um movimento atual de autores brasileiros tentando revalorizar o folclore nacional? Algum nome ou obra te chama atenção nesse cenário?

Felipe Tazzo: Sim, vejo muito mais do que revitalização: vejo reinvenção. Tem gente transformando completamente os personagens clássicos. O livro Deuses Caídos, do Gabriel Tenysson, por exemplo, traz um Saci como figura real e sombria. O Roniel Felipe reinterpretou o boto aquele que seduz as moças em O Doce Beijo do Caboclo. Já a Paola Siviero virou tudo de cabeça para baixo em O Auto da Maga Josefa.

Esses autores não estão fazendo cópias do que já existe, estão reimaginando, questionando, reconstruindo. Isso é muito mais ousado do que só repetir fórmulas. E é a cara do Brasil.

Vinicius Mororó: Como o público tem recebido esse tipo de reflexão nas suas palestras?

Felipe Tazzo: Com surpresa, mas uma surpresa boa. As pessoas saem dizendo: “nossa, nunca tinha pensado nisso!” Eu não proponho nada agressivo, nem revolucionário. Só convido a olhar para o que a gente já tem. E aí, quando apresento autores brasileiros que estão fazendo coisas incríveis, a plateia se anima. É como acender uma luz no escuro. De repente, todo mundo enxerga possibilidades novas.

Vinicius Mororó: Que conselho você daria a jovens autores brasileiros que desejam trabalhar com fantasia sem recorrer a modelos estrangeiros?

Felipe Tazzo: Olha em volta primeiro. Vai para a Netflix depois.

Somos bombardeados por referências gringas, principalmente dos EUA. E tudo bem curtir isso mas se você quer criar algo novo, tem que olhar para a sua cultura. Conhecer sua comunidade, sua história. O Brasil é feito de muitos povos, muitas narrativas. Tem espaço para tudo: para o afrofuturismo, para o amazofuturismo, para a fantasia caipira, urbana, periférica…

Mesmo o jovem judeu de Higienópolis tem uma vivência diferente do judeu nova-iorquino. Por que não criar a partir disso? Quem olha para dentro abre caminhos para toda uma literatura nacional viva, diversa e potente.

📍Serviço – Palestra “Elementos da Brasilidade na Literatura de Fantasia”

  • Data: 30 de setembro
  • Horário: 14h
  • Local: SESI Cotia – Rua Mesopotâmia, 300 – Jardim Passárgada
  • Entrada: Gratuita | Classificação: Livre

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