No corredor de um hospital, entre exames e medicações, Alica Prazeres de Santana, de 17 anos, se prepara para o vestibular. Aluna da Escola Schwester Heine, do A.C.Camargo Cancer Center, ela descobriu que o tratamento contra o câncer não significava abrir mão dos estudos. “Me sinto mais confiante, com certeza. Lembro que no começo eu não me interessava muito, mas agora é difícil até mesmo de sair”, conta.
Alica é uma entre milhares de jovens brasileiros que continuam aprendendo mesmo em meio ao tratamento médico. O Instituto Nacional do Câncer (Inca) estima 7,9 mil novos casos de câncer infantojuvenil por ano no triênio 2023-2025.

Segundo Ana Laura Schliemann, doutora em Psicologia Clínica, o impacto da doença vai além do físico. “Em comparação com adultos, crianças e adolescentes lidam com o câncer de forma diferente. O maior impacto é psicomotor: ela não pode brincar, correr, escrever sem dor. Mesmo assim, muitas vezes a criança enfrenta a dor brincando, porque o brincar é a linguagem dela”, explica.
Foi para mitigar esses impactos que surgiu a Lei nº 13.716/2018, que garante a continuidade do aprendizado a crianças e adolescentes internados por longos períodos. As chamadas escolas hospitalares funcionam dentro das unidades de saúde e oferecem ensino regular – como no caso de Alica, no A.C.Camargo.
Na cidade de São Paulo, 14 hospitais oferecem o serviço, em parceria com os hospitais Cruz Verde, A.C.Camargo, Casa Ninho e Menino Jesus. Em nota, a Secretaria Municipal de Educação de SP diz que até o primeiro semestre deste ano foram realizadas 3.100 aulas a 523 estudantes e que a expansão das classes hospitalares depende da articulação conjunta com as equipes médicas e instituições.
Com aulas regulares, gratuitas e ministradas por professores da rede pública, a iniciativa abrange da educação infantil ao ensino médio e busca garantir não só o direito à aprendizagem, mas também o vínculo social e afetivo. A solicitação do atendimento pode ser feita pela internet, no site da Secretaria de Educação. Para isso, basta apresentar o atestado médico constando o período de internação do estudante e documentos pessoais do aluno e responsável, como RG (Registro Geral) e CPF.
Juliane Lima, coordenadora da escola Schwester Heine – carinhosamente apelidada de escolinha – define a experiência de forma simples: “É uma escola comum, mas dentro de um hospital”, afirma. As atividades podem ocorrer nas salas de aula, nos ambulatórios ou, nos casos mais delicados, diretamente no leito. O currículo é adaptado a cada aluno e mistura atividades lúdicas, reforço e até preparação para provas, diz a educadora.
“Esse bem-estar reduz o estresse, diminui a dor, amplia a socialização. Já vimos crianças pequenas evoluírem até na fala a partir desse contato”, conta Juliane. “A gente vê que essa criança deseja estar perto do professor, que esse professor vai trazer o dia a dia que ela tinha antes do tratamento.”
O efeito não se limita aos alunos. Chega até a família. “O tratamento é avassalador e estressante. Encontrar uma escola no meio de uma quimio ou radioterapia é um alento para pais e mães”, complementa.
Apesar dos avanços, ainda há desafios estruturais. Para Ana Laura, falta formação específica para que educadores atuem em contextos hospitalares. “O psicólogo hospitalar recebe sensibilização para lidar com dor, morte e saúde. Os pedagogos também deveriam ter essa formação, porque precisam estar preparados para atuar em um contexto de doença grave. Existe a lei, mas falta conscientização”, diz a doutora em Psicologia Clínica.
*Geovana Bosak é finalista do Prêmio A.C.Camargo Jovem Jornalista.