Considerados “guardiões” por ocuparem o Cerrado de forma sustentável, povos e comunidades tradicionais do bioma têm as vidas abaladas por conflitos agrários motivados pela expansão da fronteira agrícola brasileira.

No Vão do Uruçu, a cerca de 300 quilômetros do centro de Balsas, um dos muitos conflitos fundiários do Maranhão pressiona mais de 20 famílias a deixarem as terras que ocupam.
O município é um dos epicentros do agronegócio do país.
Essa é a terceira reportagem da série especial Fronteira Cerrado, da Radioagência Nacional, que investiga como o avanço do desmatamento no bioma, atrelado ao agronegócio, afeta os recursos hídricos do país. Todos os dias desta semana, confira um conteúdo novo pela manhã.
A reportagem acompanhou a primeira reunião dos moradores com uma advogada popular para discutir a situação fundiária que afeta as comunidades rurais. Nervoso com a situação, o posseiro Osmar Paulo da Silva Santos, de 65 anos, admite que pensou em abandonar tudo.
“Ave Maria, foi o desassossego maior que nós já tivemos. Antes desse povo chegar por aqui, nós todos vivíamos sossegados. E hoje a gente vive tão coagido por causa deles”.
As famílias são pressionadas a aceitarem acordos para reduzir a área em que trabalham a 50 hectares – ou irem embora. Os posseiros acreditam que o grupo que tenta “tomar” as terras são grileiros que pretendem repassar os terrenos para produção de soja.
Os moradores do Vão do Uruçu relataram as ameaças que têm sofrido por meio de disparos de armas de fogo próximo às residências, como explicou o agricultor Osmar.
“Nós temos corrido medo de uma bala variada acertar na gente. Lá em casa, são acostumados a fazer fogo para me amedrontar, só pode ser isso. Tem dia que a gente escuta as balas passar zunindo por cima de casa. Por que eles não atiram para o outro rumo? Eles só atiram pro rumo de casa!”.
Os posseiros sustentam que a empresária Sheila Lustosa Parrião apareceu na região em 2020, cobrando pelas terras. Original de Palmas, Sheila se apresenta como representante da empresa Castelo Construtora, Incorporadora e Reflorestadora.
Em 2023, o Ministério Público do Maranhão acusou Sheila de mandar os funcionários derrubarem uma ponte pública que ligava comunidades no Vão do Uruçu.
A produção da reportagem entrou em contato com a empresária. Porém, após informar que passaria o caso para o setor jurídico, ela não mais respondeu aos pedidos.
Maranhão: campeão de conflitos agrários
Segundo o juiz aposentado Jorge Moreno, coordenador do Comitê de Solidariedade à Luta pela Terra do Maranhão, os conflitos agrários no estado são generalizados.
“Não existe um município do Maranhão, dos 217, que não esteja sofrendo algum tipo de violência, de assédio, de intimidação e de ameaça e muitos deles de assassinato mesmo de camponeses. A situação é muito grave”.
O Maranhão é o estado com mais conflitos por terra e água do Brasil, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). No ano passado, o estado registrou 420 conflitos no campo.
Com objetivo de reverter esse histórico, o governo estadual adotou a regularização fundiária como uma das prioridades do atual mandato e lançou, em 2023, o Programa Paz no Campo.
Segundo o presidente do Instituto de Colonização e Terras do Maranhão (Iterma), Anderson Pires Ferreira, o programa entregou 18 mil títulos de propriedade e regularizou 27 comunidades quilombolas.
“Porque só existe uma forma de pacificar o campo, a zona rural: é regularizando. Dessa forma a gente pacifica o estado”.
Ao mesmo tempo, o representante do estado reconheceu que a expansão da agropecuária no Cerrado tem ampliado a quantidade de conflitos fundiários.
“à medida que a agropecuária vai se expandindo, aparecem essas matrículas frágeis que não têm geolocalização. Quanto mais aumentam as áreas de produção, mais essas áreas vão encontrar posseiros, agricultores familiares e comunidades tradicionais”.
Anderson Pires acrescentou que o Instituto de Terras do Maranhão registrou, na atual gestão, 300 mil hectares de terras “devolutas”, que são áreas públicas ainda sem destinação, além de retomar 150 mil hectares de terras griladas.
Ouça e baixe as outras reportagens da série Fronteira Cerrado:
*Com produção de Beatriz Evaristo e sonoplastia de Jailton Sodré
**A produção dessa série foi viabilizada a partir da Seleção de Reportagens Nádia Franco, iniciativa da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) que destinou R$ 200 mil para o custeio de conteúdos especiais produzidos por jornalistas da empresa.
***O Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) custeou as passagens áreas da equipe até Imperatriz (MA).
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