“As pessoas se esquecem de que elas vão morrer. E nós não temos essa oportunidade”, diz Caroline de Souza, enfermeira paliativista do Hospital Municipal Vila Santa Catarina, na zona sul de São Paulo. Ela se refere aos profissionais como ela, que diariamente atendem pacientes que têm doenças que ameaçam a vida, estejam em fase terminal ou não.
O trabalho envolve o alívio do sofrimento, por meio da avaliação e do tratamento da dor e de outros sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais. E envolve uma equipe multidisciplinar, que pode ser composta por médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais. No Brasil, cerca de 625 mil pessoas precisam de cuidados paliativos, segundo o Ministério da Saúde.
O câncer é a principal causa associada aos cuidados paliativos, segundo dados da Worldwide Palliative Care Alliance. A médica Arabella Freitas, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), observa que muitos pacientes oncológicos têm entre 40 e 50 anos e passam por uma interrupção brusca em suas biografias. Caroline, por sua vez, relata que é comum encontrar nos pacientes um discurso de culpa, por acreditarem que negligenciaram a própria saúde. A rapidez com que o câncer evolui tende a intensificar esse sentimento, exigindo da equipe um cuidado ainda mais atento e sensível.

Arabella trabalha de segunda a sexta-feira e dedica três dias exclusivamente ao acompanhamento de pacientes terminais. Em um único dia, chega a atender dez pessoas e já testemunhou cinco mortes em apenas uma manhã. “Coisas da história deles batem na minha história também, sempre vão bater”, diz. Por isso, defende que não se pode exigir tanta objetividade e frieza de paliativistas.
Mas a entrega tem um custo. Após três anos trabalhando com pacientes em fim de vida, Arabella passou por um burnout no ano passado, esgotamento que ela atribui à falta de dimensão da carga emocional exigida pela profissão, um “adoecimento estrutural”. Caroline viveu situação semelhante logo no primeiro ano de residência. O caso das duas não é isolado: um estudo publicado na revista Journal of Pain and Symptom Management, em 2020, revelou que 38% dos profissionais paliativistas já enfrentaram burnout em algum momento da carreira.
Hoje, ambas tentam cuidar de si com a mesma dedicação que oferecem aos outros. Arabella evita trabalhar à noite, prioriza o sono, faz atividade física e terapia com regularidade. Também valoriza o apoio de outras mulheres da área, que formam uma rede de suporte afetiva e profissional. “A gente conversa, compartilha o propósito e se protege”, conta.
Caroline mantém acompanhamento psicológico e passou a valorizar mais o convívio familiar. Nos fins de semana, costuma viajar a Sorocaba para ver os pais, irmãos e sobrinhas, mesmo que precise ir e voltar no mesmo dia. Perguntada sobre como sente a morte de um paciente de quem cuidou, responde: “Eu sinto saudade”.
*Caio Rocha é finalista do Prêmio A.C.Camargo Jovem Jornalista.