A fisioterapeuta Ariane Ramirez, mestranda em Ciências do Movimento pela Unesp de Bauru, conduz uma pesquisa sobre a inclusão de atividades físicas no tratamento oncológico. O estudo avalia como o exercício pode reduzir os efeitos cardiovasculares adversos das medicações usadas contra o câncer de mama, como insuficiência cardíaca, hipertensão arterial e arritmias.
Realizada no Laboratório de Pesquisa em Exercício Físico e Doenças Crônicas (Ledoc), a pesquisa representa os primeiros passos para a criação de uma abordagem interdisciplinar entre fisioterapia e medicina na cidade.
De acordo com Ariane, o foco do trabalho é o combate à cardiotoxicidade, o dano causado ao coração pelo efeito acumulativo das drogas oncológicas. “O objetivo é retardar o mais rapidamente possível os efeitos colaterais e fazer com que se tornem minimamente invasivos e ativos nas pacientes por meio do exercício físico”, explica.

que auxiliem na melhora da função cardíaca do paciente
Por meio do resultado do exame de Velocidade da Onda de Pulso (VOP), o estudo busca entender como o tratamento do câncer está afetando o coração, com o objetivo de prever o risco de comprometimento da saúde cardiovascular.
Para isso, parte da análise de informações relacionadas à saúde das voluntárias, por meio de avaliação física e cardiovascular. São observados fatores como rigidez arterial, variabilidade da frequência cardíaca e força muscular global.
Com a análise concluída, será possível sugerir protocolos específicos de exercícios que auxiliarão na melhora da função cardíaca do paciente, prevenindo a cardiotoxicidade. Até o momento, 40 mulheres foram avaliadas, e a pesquisa está em fase de análise.
Aplicação da atividade física
Entre as modalidades de atividades físicas recomendadas, o estudo de Ariane se baseia na prática de exercícios aeróbicos HIIT (sigla de Treino Intervalado de Alta Intensidade), estudada pelo Ledoc, para melhorar a capacidade cardiovascular das pacientes.
O treinamento é composto por movimentos alternados de alta, média e baixa intensidade, incluindo pausas em um período definido que varia com base na capacidade da pessoa. Dessa forma, se define um circuito de exercícios que se inicia com o aquecimento, migra para uma fase de intensidade elevada e finaliza no desaquecimento.
A pesquisadora entende que, para ocorrer a formulação de abordagens específicas alinhadas às necessidades e às possibilidades de cada paciente, é necessário existir uma atuação multidisciplinar entre a equipe médica responsável pelo tratamento, fisioterapeutas oncológicos e educadores físicos.
“Os médicos sabem da importância dos exercícios físicos, mas não conseguem indicar adequadamente qual se encaixa ao enfermo, por não fazerem avaliações e prescrições de atividades”, afirma Ariane. “Quando se trata de funcionalidade, força muscular e elaboração de treinamentos para grupos especiais, fisioterapeutas oncológicos e profissionais da educação física são capacitados.”
Panorama do câncer de mama
De acordo com o levantamento Controle de Câncer de Mama no Brasil, publicado pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca) em outubro deste ano, o câncer de mama é o segundo tipo mais frequente entre as mulheres brasileiras e a principal causa de mortalidade feminina pela doença.
O estudo se refere ao período de 2023 a 2025, quando foi registrada uma média de 73.610 casos por ano, o que equivale a 41,89 casos a cada 100 mil mulheres.
O documento ressalta que reduzir a exposição a fatores de risco – como excesso de gordura corporal, consumo de bebidas alcoólicas e sedentarismo – é essencial para a prevenção. E a atividade física regular também contribui nesse processo, por regular os níveis hormonais e da insulina e fortalecer o sistema imunológico.
Em escala global, a Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (IARC), da Organização Mundial da Saúde, alertou que, sem foco na prevenção, o mundo poderá registrar 3,2 milhões de novos casos de câncer de mama por ano até 2050.
Exercício durante o tratamento
Difundida entre a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), a recomendação de atividade física durante e após o tratamento oncológico não é uma novidade entre os profissionais da área.
A coordenadora da equipe de Oncologia Clínica da Faculdade de Medicina da Unesp, Ana Lucia Coradazzi, comenta que a prática de atividades físicas é benéfica em todas as fases da vivência oncológica, seja antes do início do tratamento, durante o tratamento ou após o seu término.
“Já há evidências científicas mais do que suficientes que sustentam esses benefícios, que englobam ganhos físicos, imunológicos, emocionais e até sociais”, relata a oncologista.
Ana Lucia explica que pacientes oncológicos que se exercitam regularmente têm um melhor controle dos sintomas relacionados ao câncer e ao tratamento, como fadiga, náuseas e constipação intestinal. Além disso, eles preservam a massa muscular e melhoram a capacidade cardiovascular, frequentemente afetada pelo tratamento.
Ainda em 2023, a SBOC publicou um guia de atividades físicas, com recomendações para os oncologistas, baseado em evidências científicas que apontaram ganhos à saúde para pacientes em luta contra o câncer.
Em janeiro deste ano, o Inca também pontuou que a atividade física durante o tratamento oncológico é segura e pode trazer benefícios. No entanto, é necessário considerar as particularidades de cada caso para adaptar a atividade com base em suas possibilidades.
Desafios da multidisciplinaridade
Especialista em oncologia, o médico Paulo Eduardo de Souza pontua que, hoje, os trabalhos científicos demonstraram de maneira cabal que a atividade física é sim uma contribuição impactante, seja na qualidade de vida, não somente, como principalmente na redução da mortalidade, aumentando a sobrevida. “Antes, o que se recomendava era que o paciente deveria permanecer em repouso numa condição sem muita exigência física.”
Embora nesses casos seja necessária a atuação conjunta das áreas, o oncologista relata que a integração é um desafio cultural e institucional. “A multidisciplinaridade é um desafio institucional e cultural tanto para aquele que aplica a assistência quanto para aquele que a recebe”, diz Souza. “Mais que a multidisciplinaridade, o grande desafio é a transdisciplinaridade, que é o compartilhar de conhecimento e estabelecer práticas complementares.”
Instituído pela Lei No 14.238, de 2021, o capítulo VI do Estatuto da Pessoa com Câncer define que o atendimento integral à saúde da pessoa com câncer por intermédio do SUS é obrigatório e que ele deve garantir um atendimento multidisciplinar. No entanto, segundo Souza, poucos serviços praticam tal processo.
*Daniel Souza é finalista do Prêmio A.C.Camargo Jovem Jornalista.